terça-feira, 10 de maio de 2011

LÍVIA MENEZES


Abaixo ao socialismo, abaixo ao comunismo, abaixo a ditadura por que hoje eu só quero amar!


Hoje aqui na redação do jornal uma bela mulher passou por mim, e deixou seu perfume espalhado pelo ar, esse aroma eu já conhecia, os pelos dos meus braços reagiram, minha mente me transportou pra um passado doloroso ....
Parece que foi ontem, lembro do barulho que o vento fazia ao balançar as folhas, lembro do brilho do sol, lembro mais especificamente do raio do sol que iluminou seu rosto, nossa, você realmente era a garota mais linda que estudava naquela faculdade, eram anos difíceis, a ditadura não dava trégua, a UFC (Faculdade Federal do Ceará) estava em chamas, o mundo estava caindo, mas naquele instante minha única preocupação era a vontade de ser a latinha de coca-cola que você bebia, eu sabia que tinha que me aproximar, puxar papo, ao menos me apresentar, mas não tive coragem, eu sempre fui falastrão, desinibido, solto e descolado, mas quando amor bateu, bateu tão forte que calou minha voz e matou minha ousadia, você era linda, meiga, todos os rapazes matavam e morriam por você, eu era feio, barbudo, revolucionário, fumava, bebia,  eu sabia que nada eu poderia querer contigo já que comparado a você, nada eu era.
Ai veio a primeira reunião do grêmio estudantil para todos os alunos da faculdade, muita falação, política, festa, cerveja e farra, pronto, eu já havia decidido, aquele seria o momento ideal para te roubar um beijo, lembro que quando você chegou a música parou, agora o amor estava me deixando surdo, você passou por mim e nem me viu, mas deixou no ar o cheiro embriagante de seu perfume caro, cheirava a elite cearense, mas naquele momento eu só pensava, abaixo ao socialismo, abaixo ao comunismo, abaixo a ditadura por que hoje eu só quero amar, essa teria sido uma ótima frase para eu ter dito a você mas faltou coragem.
Eu não conseguia entender, como eu tinha tanta coragem de lutar sem armas contra o exército e não tinha coragem de te falar apenas a um simples Oi ?
Como eu conseguia confrontar o meu pai recusando-me a fazer Direito e escolhendo pelo jornalismo e não tinha coragem de tocar na sua mão?
Eu nunca fui muito de me apaixonar, sempre me perdia atrás de mil encantos e belezas, mas nunca atrás do amor, e quando você me apareceu, sabia que pra sempre você seria minha Flor, minha mulher, meu amor.
Tomei coragem, caminhei até você, é engraçado dizer, mas essa caminhada levou uma eternidade, o som da festa estava alto, mas eu só conseguia ouvir o ritmo descompassado de meu coração ritmando os movimentos de minhas pernas.
Toquei de leve a sua mão, encostei meus lábios em sua orelha e com a voz meio que embargada disse:
__ Muito prazer meu nome é Airton, e eu serei seu futuro marido.
Não deixei você responder, rapidamente preparei meus lábios para um beijo avassalador e quando eu já estava quase sentindo seus lábios junto aos meus, alguém me puxou, era Eduardo um amigo veterano da faculdade, desesperado ele me disse que a polícia invadiu a festa e quem não escapasse iria parar na prisão do exército e naquela época amigo, quem era estudante e ia para a prisão, era torturado e muitas vezes assassinado, mesmo sabendo de tudo isso eu me soltei das mãos do Eduardo e corri feito um louco pelo saguão para reencontrar Luiza, ao longe a vi, e gritei seu nome umas três vezes, ela se virou, me olhou, mas nesse momento um guarda me puxou, me jogou na parede, com voz grave me perguntou:
__ Você é baderneiro rapaz? Quer fazer revolução???
Imediatamente respondi:
__ Abaixo ao socialismo, abaixo ao comunismo, abaixo a ditadura por que hoje eu só quero amar!
O guarda me soltou, por pena, por entender o amor, por achar que eu era louco, nem sei, mas importante é que ele me soltou, mas em meio a todo aquele alvoroço não mais consegui encontrar Luiza.
Naquele dia eu reneguei minha luta de uma vida inteira, joguei no lixo minha causa e mesmo assim perdi um amor que certamente duraria a eternidade!!!

Autora: Estava sozinha em casa, o trabalho tinha me dado uma folguinha, resolvi escutar a música O bêbado e a Equilibrista de Elis regina, e me veio mil pensamenos sobre ditadura, paixão, luta e pensei em o quanto devia ser difícil amar em tempos de guerra!

Lívia Menezes

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